«Há seis anos que não pago o imposto de voto. Por causa disso, fui preso uma vez, passei uma noite na cadeia. E, ao mesmo tempo que olhava para as paredes de pedra sólida, com dois ou três pés de espessura, para a porta de madeira e ferro com um pé de espessura e para as grades de ferro que me impediam de ver a luz, não pude deixar de me espantar com a parvoíce de uma instituição que me tratava como se eu fosse apenas um montão de carne, sangue e ossos que importava manter bem fechados. Compreendi que ela tinha finalmente chegado à conclusão de que não me podia dar melhor uso e que nunca tinha pensado em aproveitar de outra forma os meus serviços. Percebi que, se era assim grande o muro de pedra que se erguia entre mim e os meus concidadãos, seria difícil ultrapassá-lo ou derrubá-lo, e jamais eles se sentiriam tão livres como eu. Nem por um só momento me senti confinado e as paredes afiguravam-se-me apenas um grande esbanjamento de pedra e argamassa. Sentia-me como se, de todos os meus concidadãos, fosse eu o único a ter pago o imposto. Eles não sabiam como haviam de lidar comigo e comportavam-se como se não tivessem recebido educação. Em cada ameaça ou saudação que me dirigiam havia um grande equívoco; porque estavam convencidos que o meu maior desejo era estar do lado de fora daquele muro de pedra. Eu limitava-me a sorrir diante das cautelas com que eles trancavam a porta sobre as minhas meditações, que afinal os seguiam sem demora e sem acharem obstáculo; elas eram de facto perigosas. Não me podendo atingir a mim, eles castigavam o meu corpo; como os garotos que, incapazes de tocar numa pessoa de quem não gostam, se vingam no cão dessa pessoa. Vi que o Estado era um deficiente mental, receoso como uma mulher que vive sozinha com as suas pratas, incapaz de fazer a distinção entre amigos e adversários. Perdi então o pouco respeito que lhe guardava e passei a ter pena dele.»
Henry David Thoreau
A Desobediência Civil
Antígona, 2012
tradução de Manuel João Gomes