«Por fim alcancei a zona das grandes ondas; ouvia-as rebentar com
estrondo. Parecia ser demasiado tarde. Não conseguia nadar, sentia os
braços exaustos, a perna direita doía-me terrivelmente. A única coisa
que importava era respirar. A corrente rugia sob a superfície, rolando e
arrastando-me com ela. Eis, pois, o fim de Camilla, eis, pois, o fim de
Arturo Bandini - mas, mesmo então, eu não conseguia deixar de escrever
tudo aquilo, via as palavras negras sobre a brancura da página, via-me a
escrever a cena à máquina ao mesmo tempo que flutuava ao largo da areia
áspera, certo de que não escaparia com vida. Depois apercebi-me de que a
água me dava apenas pela cintura, mas sentia-me demasiado fraco e
exausto para fazer o que quer que fosse. Continuei a patinhar
penosamente, mas de espírito claro, a redigir todo o episódio,
preocupado em não abusar dos adjectivos. A onda seguinte abateu-se sobre
mim e empurrou-me até onde a água não tinha mais de trinta centímetros
de profundidade. Gatinhei em direcção à praia, perguntando-me se poderia
transformar aquela experiência num poema. Pensei em Camilla perdida no
mar e chorei, notando que as minhas lágrimas eram mais salgadas do que a
água. Mas não podia ficar ali deitado, tinha de ir procurar ajuda.
Levantei-me e cambaleei em direcção ao carro. O frio fazia-me bater os
dentes.»
John Fante
Pergunta ao pó
Edições Ahab
tradução de Rui Pires Cabral
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