23.1.12

O corpo no porta-bagagens

«[...] Deixar o cadáver na berma da auto-estrada significava submeter os que vinham atrás a uma surpresa pelo menos penosa; levá-lo para longe, deixá-lo em pleno campo, poderia provocar violenta reacção dos aldeões, que já na noite anterior tinham ameaçado e esmurrado um rapaz de outro grupo que procurava comida. O camponês do Ariane e o caixeiro-viajante do DKW tinham com que fechar hermeticamente o porta-bagagens do Caravelle. Ao começarem estes trabalhos, juntou-se-lhes a rapariga do Dauphine que se agarrou tremendo ao braço do engenheiro. O engenheiro explicou-lhe em voz baixa o que acontecera; levou-a para o seu automóvel. Taunus e os seus homens meteram o corpo no porta-bagagens, o caixeiro-viajante colou fita Scotch e até cola líquida, isto à luz da lanterna do soldado. Como a mulher do 203 sabia conduzir, Taunus resolveu que o marido tomaria conta do Caravelle, que estava à direita do 203; pela manhã a criança do 203 descobriu que o seu papá tinha outro carro, e brincou horas e horas passando de um para outro, trazendo parte dos seus brinquedos para o Caravelle.»

Júlio Cortazar
A Auto-Estrada do Sul de Todos os fogos o fogo
tradução de Carlos Barata
Editorial Estampa